CINEMA NOVO + DAVID DREW ZINGG + WALTER SALLES
+ SELTON, WAGNER, DARÍN

*****CINEMA NOVO

O REENCONTRO COM UMA FOTO DE

DAVID DREW ZINGG + WALTER SALLES

O Segundo Caderno de O Globo publica hoje, uma das fotos-símbolo do Cinema Novo: aquela feita pelo fotógrafo norte-americano-brasileiríssimo David Drew Zingg, no final dos anos 1960, com alguns dos principais nomes cinemanovistas: Nelson, Ruy Guerra, Joaquim Pedro, Walter Lima Jr, Zelito Vianna, Barretão, Glauber e Leon Hirszman.

***Publica, também, foto contemporânea, de autoria de Diogo Dahl, filho de dois pais cinemanovistas (Nelson Pereira e Gustavo Dahl) e de mãe igualmente ligada ao movimento (a atriz e cineasta Ana Maria Magalhães). Nela, vemos quatro remanescentes da foto original (Nelson Ruy, Zelito e Barretão). Walter Lima Jr, que está viajando para divulgar seu novo filme — “Através da Sombra”, um “filme de atmosfera” baseado em “A Volta do Parafuso”, de Henry James — não pôde comparecer. Foi substituído por Maurice “O Profeta da Fome” — Cappovila. (Existe filme mais indentificado com a Estética da Fome que este???). Três dos que se foram prematuramente — Joaquim, Leon e Glauber — foram substituídos por Lucy Barreto (uma presença feminina no espaço simbólico), Cacá Diegues (cinemanovista de primeira hora) e Paulo José, um dos atores mais significativos deste movimento que agitou a cultura brasileira sessentista (ele protagonizou, com Helena Ignez, o duplamente andradiano “O Padre e a Moça”). *** Tenho uma reprodução desta foto na minha estante. Fiz uma capa do caderno cultural do Jornal de Brasília, muitos anos atrás, com ela, tendo como “lembrador-evocador” (de sua captação num bar carioca)

o próprio Drew Zingg (1923-2000). Fui entrevistá-lo numa casa pequena e muito estranha, num bairro paulistano. Ele já estava doente, mais magro ainda do que era. Me recebeu com muita gentileza e espantou-se com o destaque que eu dava à foto dos Cinemanovistas. **** Em setembro de 2006, regressando de uma Jornada de Cinema da Bahia, conversava com Aurélio Michiles, que preparava o longa documental “Tudo por Amor ao Cinema”, sobre Cosme Alves Netto (1937-1996). Propus a ele: quando você concluir o longa do Cosme, faça um curta, média ou longa-metragem sobre a foto dos cinemanovistas feita pelo Zingg.

Você conversa com ele e, depois, documenta o destino de cada um dos oito personagens daquela foto. Em julho de 2000, Aurélio, que ainda trabalhava no filme sobre Cosme (que seria lançado em 2015 e, em breve, chega ao DVD) me mandou um email: com a morte de Zingg, o filme da foto perde parte de sua razão de existir…

*** Agora, a foto aparece fugazmente em CINEMA NOVO,

filme de Eryk Rocha (filho dos cineastas Glauber e Paula Gaitán). E Diogo Dahl, produtor do filme, teve a feliz ideia de recriá-la.

** E para enriquecer ainda mais o material cinemanovista da edição de hoje, O Globo publica vibrante artigo do cineasta Walter Salles (O Brasil à Flor da Pele — “Cinema Novo”, de Eryk Rocha, é único, poético e sanguíneo”). O filme, que ganhou o trofeu Olho de Ouro, em Cannes, está em cartaz e constitui programa obrigatório. Vem recebendo ótimas críticas. ****Na última sexta, no Guia da FSP, Inácio Araújo questionou a inclusão de nomes como Khouri e Person (no tecido do filme), com os quais o Cinema Novo manteve relações complicadíssimas. Incluiu (com razão) Mário Peixoto. Glauber via, em “Limite”, traços “decadentistas”. Ótimo que

Inácio, que gosta muito do filme, faça estes questionamentos. Eles enriquecem o debate. Só faço coloco aqui uma ponderação: o filme é fruto do labor de um jovem de trinta e poucos anos, que não viveu as lutas estético-políticas do cinema brasileiro sessentista.

O filme traz o olhar deste jovem. Cito um exemplo para comparação: mais de 20 anos atrás, fui entrevistar o ator Jorge Perugorría, no Fest Havana. Ele estava no auge por causa de sucesso de “Morango e Chocolate” (Alea & Tabio, 1995). Quando a conversa derivou para a relação dos cubanos com os “gusanos” (vermes!!!), exilados em Miami, pensei que o ator diria: Deixe eles lá. Vamos seguir construindo nosso país. ***Mas eis que ele disse (e eu quase caí da cadeira!) que os cubanos de Miami eram irmãos dos cubanos que seguiram na Ilha, que sua geração não tinha nada a ver com o “ódio aos chamados gusanos”, que um dia — torcia — todos poderiam viver juntos… (Pois no filme de Eryk, a convivência tornou-se… possível!!)

****JULINHA LEMMERTZ,

GRANDE ATRIZ E CIDADÃ:

Estadão publica, hoje, no Caderno 2, página inteira sobre “O Pequno Segredo”, filme de David Schurmann, que busca uma vaga no Oscar, pelo Brasil. Traz entrevista com Júlia Lemmertz e com o diretor, feitas por Luiz Carlos Merten. Num box analítico, Luiz Fernando Zanin Oricchio demonstra que a hipótese de “filme para os velhinhos da Academia” anda fazendo água, pelo menos nos últimos 5 anos, que premiaram obras dissonantes como o franco-alemão “Amor”, o iraniano A Separação, o italiano A Grande Beleza, o polonês(??) “Ida” e o húngaro O Filho de Saul.

No passado, os “velhinhos” premiaram Bergmans, Fellinis e De Sicas, etc, etc… Bem, este material está lá, impresso. O que quero registrar aqui é minha discordância de uma única declaração da grande Julinha, atriz das mais reconhecidas (por mim, deste “A Cor do Seu Destino”, de Jorge Durán). Ela desqualifica a crítica ao filme (“Segredo…”), assinada por Alcino Leite Neto, na FSP, alegando que ele não é crítico de cinema. *** É, sim!! E dos bons. Alcino vem da grande escola crítica mineira, foi crítico atuante da Folha de S. Paulo. Hoje, escreve menos do ponto de vista quantitativo e mais do ponto de vista qualificativo. É um dos

100 críticos que participam do livro “100 Melhores Filmes Brasileiros” (Abraccine-Letramento-Canal Brasil). Coube a ele analisar “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha. Registro aqui que tenho imenso carinho e amizade por Merten. No recente Prêmio da Crítica, na Mostra SP Ano 40, defendemos juntos e ardorosamente os dois vencedores: “Depois da Tempestade”, do japa Kore-Eda (melhor filme estrangeiro), e “Pitanga”, de Brant & Camila (melhor brasileiro). Este filme, junto com “Cinema Novo”, de Eryk, e “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, também foram alguns dos lembrados, mas o colegiado optou pelo novísismo “Pitanga”. “Cinema Novo”, afinal, fôra laureado em Cannes, e “Cambridge” ganhara o Prêmio Fipresci, no Festival do Rio. *** (Uma constação: “Pitanga” é um maravilhoso complemento a “Cinema Novo”. Narra parte da história do movimento pelo olhar de um de seus símbolos, o afro-baiano Antônio Sampaio, o Pitanga, com inventividade e depoimetnos surpreendentes). Se Diogo Dahl tivesse levado o baiano para sentar-se à mesa da

“nova foto”, teria acertado na mosca.

****SELTON MELLO — Minha alma missionária

me faz pensar em mil coisas relativas ao futuro de nosso cinema. Vejo Ricardo Darín participando, já com 60 anos, de pelo menos um (às vezes dois) filmes-ano (geralmente parcerias entre Argentina e Espanha). Enquanto isto, nossos Wagner Moura e Selton Mello, que tinham (têm) potencial de ser “o nosso Darín” (ou seja, atores de filmes que somam criação artística e diálogo com o público) continuam fazendo poucos filmes. OK, Wagner Moura protagonizou duas temporadas de NARCO e trabalhou como mouro na Colômbia. E vai dirigir um épico sobre Marighella. Selton, também, passou a dirigir (já fez três longas: Feliz Natal,

O Palhaço e O Filme da Minha Vida, este ainda inédito). Li, em

O Globo, que Selton acaba de atuar num filme e tem dois importantes trabalhos na TV: vai protagonizar uma minissérie e dirigir outra. Esta, baseada em O Alienista, de Machado de Assis. Não existe projeto mais adequado aos nossos dias: temos um Simão Bacamarte comandando os fios de nossa tumultuada existência (e não me refiro ao Temer-ário, pois este é “ator” de filme de terror B). Mesmo assim, torço por novos filmes com

Selton e/ou Wagner Moura encabeçando seus elencos.