********OLHAR DE CINEMA 2017 (VI FESTIVAL INTERNACIONAL DE CURITIBA) — Ao encerrar, na noite de hoje, 14 de junho, sua sexta edição, o OLHAR curitibano reafirma sua consistência como festival, seus muitos acertos e mínimos desacertos. Os pontos positivos concentram-se em programação que privilegia o cinema contemporâneo, sem dar as costas ao passado (vide as sólidas mostras dedicadas a Murnau e a clássicos do cinema, incluindo Renoir, Norman McLaren, Edward Yang, Joaquim Pedro e Tonacci) e numa mostra competitiva composta de filmes plugados em nosso tempo convulsivo e na busca de novas formas narrativas. E, o que é fundamental, generosos espaços dedicados à reflexão (aulas magnas, seminários, oficinas e debates dos filmes com seus realizadores). Outro mérito: apreço pelo cinema brasileiro e hispano-americano. O Brasil esteve representado em todos os segmentos do festival (menos, óbvio, nas mostras Murnau e Anocha Suwichakornpong). E a América Hispânica garantiu espaço nobre na noite de abertura (com o ótimo drama social venezuelano, “A Família”), nas competições e na merecida homenagem ao cineasta e “ator” chileno Ignácio Agüero (também “protagonista” do filme que venceu o festival, ano passado “O Vento Sabe Que Voltarei para Casa”). Com a programação dos 150 filmes concentrada em dois complexos cinematográficos (o Espaço Itaú Crystal e o Cineplex Novo Batel), a logística facilita a vida dos cinéfilos, que podem ver média de quatro filmes por dia. E debatê-los. Entre os senões, registre-se: a falta de representantes de alguns dos filmes da principal mostra competitiva e os exageros do catálogo, muito adjetivado. Quase todos os filmes são apresentados como “maravilhosos”, aquele diretor é “exitoso” e o uso da consagradora expressão “obra-prima” resulta abusivo. Afinal, aparece colada a produções que estão longe de merecê-la. Claro que um crítico ou um programador pode, individualmente, ver este ou aquele filme como “maravilhoso”. Mas há que registrar sua assinatura. Catálogos tornam-se mais úteis quando apresentam boas sinopses, bons perfis de seus realizadores e fragmentos de críticas, de preferência com pluralidade de olhares. Os que assim agem prestam melhor serviço aos cinéfilos que se debatem com prazos exíguos para decidir, numa oferta diária de mais de 15 títulos, qual escolher.

“FERNANDO” — O Olhar de Cinema não cultiva astros, nem badalação. Como aposta em cinematografias não-hegemônicas e na produção mais alternativa (ou independente), os corredores de suas salas exibidoras misturam público e artistas, sem nenhuma cerimônia. E até atrizes famosas, como Camila Pitanga (codiretora, ao lado de Beto Brant, de “Pitanga”), passam quase despercebidas. Ontem, 13 de junho, ela esteve no Espaço Itaú na condição de espectadora do filme do marido, o ator (e agora diretor) Igor Angelkorte. Ele assina FERNANDO, ao lado de Júlia Ariani e Paula Vilela. Este filme, um “híbrido”, termo preferido pelos programadores do Olhar de Cinema, documenta, com liberdade (portanto diálogo permanente com a ficção), momentos da vida artística e pessoal de Fernando Bohrer, um ator-professor, apaixonado por seu ofício. Fernando é visto em casa, no consultório médico, em suas aulas, na cama ou na praia com o companheiro, o ator, bailarino e coreógrafo Rubens Barbot (que já víramos antes em “Esse Amor Que Nos Consome”, de Allan Ribeiro/2012). É visto, também, em suas andanças pela cidade (o Rio ou Niterói), comprando frutas, debatendo políticas públicas com amigos ou registrando suas reflexões sobre vida e arte em cadernos. A equipe — os três realizadores, a diretora de arte e o próprio Fernando — vieram assistir à sessão e debater o filme com o público. No final, posaram para dezenas de fotógrafos, profissionais e amadores. Uma das “fotógrafas” era Camila Pitanga.

36KINOS — Um germânico de cabelos louríssimos e espetados (ver na foto-colagem abaixo) de nome Philipp Hartmann, 44 anos, circula pelo Olhar de Cinema, esbanjando simpatia e um português perfeito (de causar inveja). Na página 68 do catálogo do Festival, descobrimos que ele diplomou-se em Belas Artes, na Alemanha, há dez anos. Mas, antes disto, fez mestrado (em Ciências da América Latina) e doutorado (em Economia). Por isto, estreou tarde no cinema. Em 2014, dirigiu seu primeiro longa, “O Tempo Passa Como Um Leão Que Ruge”. O filme foi exibido em recente Olhar de Cinema. Como Hartmann não conseguiu lançá-lo no circuito comercial, ele resolveu buscar, em várias regiões da Alemanha, salas onde fosse possível mostrar sua reflexão sobre a aceleração do tempo em nossos loucos dias. A experiência, das mais ricas, gerou 66KINOS. Um longa-metragem de 98 minutos, que documenta vigoroso circuito de exibição alternativa no país de Murnau, Lang, Fassbinder e Von Trotta. Hartmann começa sua jornada fílmica numa acolhedora salinha de 18 lugares incrustada num monastério e mantida por cinéfilos fieis. Em sua itinerância, encontrará dezenas de programadores apaixonados. Alguns deles instalaram projetor 35 milímetros em seus espaços, mas não chegaram a utilizá-los, tão avassalador foi o processo de digitalização. Enfim, seu 66KINOS, como o próprio nome diz, visitou 66 cinemas. Centenas de cinéfilos puderam ver e debater seu primeiro longa-metragem e, de lambuja, contaram com um cineasta para registrar, num longa documental, o ofício ao qual se dedicam. Um ofício geralmente secundário (a maioria vive de outro emprego) e que lhes rende modesto ganho monetário. 66KINO é um filme que deve ser visto em festivais, mostras e circuitos de cinefilia, pois realizador e exibidores alternativos têm no cinema seu alimento permanente. 66KINOS foi debatido pelo cineasta, com moderação do crítico argentino Diego Lerer, por público modesto, mas muito interessado.

TRÊS EQUIPES — Nas fotos abaixo, a equipe de “Fernando”, décimo-primeiro (e último) concorrente da principal competição do Olhar de Cinema: Fernando Bohrer (de óculos), Igor Angelkorte e suas parceiras Julia Ariani e Paula Vilela. E também a diretora de arte, Liza Machado. Abaixo, o cineasta chileno-estadunidense Niles Atallah, diretor do longa ficcional REY. E o alemão Philipp Hartmann, de 66KINOS.

DETALHE FINAL: o OLHAR DE CINEMA termina hoje para seus convidados, mas o público curitibano tem, neste feriado de Corpus Christi, um dia especial. Serão exibidos no Cineplex Batel 4, os vencedores das mostras: Novos Olhares, Outros Olhares e da competição principal. Outro acerto digno de nota.

Enviado do Ipad de Rosário