VIAGEM AO MÉXICO
(GUADALAJARA, CAPITAL
E TEOTIHUACÁN)
****Um breve roteiro da viagem de Luiz Zanin
e Rô Caetano ao México, em março de 2017.
*** Cidade do México, a “Roma da América Latina”,
com suas praças cheias de vida e uma cinemateca de causar saudável inveja.
Por Maria do Rosário Caetano
Só agora, com mais de dez dias de atraso, encontro tempo para registrar, em flashes rápidos e um breve roteiro, viagem que Zanin e eu fizemos a Guadalajara e Cidade do México, com visita às pirâmides de Teotihuacán, núcleo pré-colombiano situado a 50 km da capital azteca. Foram onze breves dias, muito pouco para se conhecer, mesmo que superficialmente, a Cidade do México (e eu fazia questão de ir a Guadalajara, para conhecer o Monumental Estádio Jalisco, onde o Brasil jogou parte da Copa de 1970, a do Tri – afinal, fiz 15 anos quando o Brasil jogou contra a Tchecoeslovaquia).
GUADALAJARA – Cidade grande (quase 5 milhões de habitantes), gente calorosa, comida apimentadíssima, um centro histórico muito bonito (destaque para a Catedral e o Panteão dos Notáveis tapatíos), ótimos mercados de artesanato e um espaço – o Hospício Cabaña — de visita obrigatória. Nele estão murais de Orozco, que nasceu tapatío (os nativos de Guadalajara). O Monumental Estádio Jalico está lindo e muito bem conservado. Mas não tem museu, nem visita orientada (já os 4 estádios da Cidade do México, em especial o Azteca, o mais famoso, integram programa de visitas dos mais estruturados. Não fomos ao Azteca, pois a capital, que tenho agora na conta de “a Roma da América Latina”, tem tanto a oferecer, que não sobrou tempo para o futebol). Em Guadalajara, o Monumental Jalisco, nome do estado/departamento, cuja capital é justo Guadalajara, fica defronte à Praça de Touros, imensa. Dá para ir de metrô de superfície, com estações que homenageiam o presidente Lázaro Cárdens, o tapatío Orozco, claro, e outros grandes nomes da história do país. Em março, o Festival Internacional de Cinema de Guadalajara agita a cidade com programação intensa. E mobiliza visitantes ilustres (nunca é demais lembrar que o
país fica colado nos EUA, o que facilita bastante).
. A ROMA DA AMÉRICA LATINA:
. A VIDA NAS PRAÇAS – Vimos tantas “coisas” maravilhosas na Cidade do México, que o recalcitrante Zanin, que temia encontrar uma megalópole poluída e com trânsito infernal (25 milhões de habitantes, “a terceira maior do mundo”), voltou apaixonado. Já fala em regressar (para conhecer, inclusive, os vulcões deCuernavaca, cidade que não visitamos). E o que o tocou? Primeiro, claro, maravilhas como o imenso Museu de Antropologia, que guarda tesouros aztecas, maias e de outros povos que formam o país (de mais de 110 milhões de habitantes), a Catedral, no coração da imensa Praça da Constituição, conhecida como Zócalo, oPalácio Nacional, a Plaza Mayor com seu imenso e rico museu, o magnífico Palácio de Belas Artes (onde Frida Kahlo foi velada), a Casa Azul, de Frida & Diego Rivera, a Casa de Trotski… Além destas belezas (acervos de mais de 1.200 anos somados a mais recentes), algo marcou para sempre a recente paixão de Zanin pela imensa capital mexicana:a vida nas praças. Ele pensou que encontraria um formigueiro humano infernal (me excluo destas considerações, porque eu sabia que ia amar a Cidade do México, que conheci tão tarde. Sempre amei, na minha imaginação, este país hospitaleiro, que deu asilo político a milhares de militantes políticos). Só que encontrou uma vida fervilhante nas ruas e praças. De dia e de noite. O paulistano Zanin, que viu as praças de sua cidade natal se tornarem cada vez mais desertas (quem tem coragem de curtir um passeio noturno na “Praça” da Sé????), ficou fascinado com centenas de pessoas nos enormes jardins do Palácio de Belas Artes, cercados de livrarias, no Zócolo e na vivíssima Avenida Madero. Esta avenida é uma loucura de alegria e vida. Lembra ruas de paquera dos anos 1960, no interior do Brasil (aquelas ruas em que ficávamos andando para lá e para cá, para vermos e sermos vistas, tomar sorvete, arrumar namorado, etc). Eu, apreensiva, temia a reação do Zanin, pois a viagem fora fruto de insistência minha. Ele se apaixonou no primeiro dia. Veio embora de coração partido.
. UM BREVE ROTEIRO – Fizemos a viagem sem roteiro prévio, com belas dicas de amigos, que nem cumprimos direito. O que ia aparecendo, fazíamos. De certo, só um tour geral, daqueles que a CVC organiza num dos primeiros dias de viagem, e a ida às pirâmides de Teotihuacán (este programa compramos ainda no Brasil). Para mim, ir ao México e não conhecer as pirâmides seria como ir a Moscou e não visitar o Museu Eisenstein.
* PRIMEIRO DIA:
. Visita à Catedral e à imensa Sacristia/Sacrário (uma bela construção anexa)
. Visita à exposição do artista oitocentista Cristóbal Villapando, na Av. Madero. Sorvetes na Santa Clara, uma leiteria maravilhosa. Manga com pimenta, claro. E sorvete de pistache (o deles é tão bom, ou melhor — e tão caro quanto – o da nossa gloriosa La Basque)
. Passeios pelas ruas que circundam a Praça da Constituição. ***Todo dia eu acordava 4h30 da manhã para ler os jornais brasileiros na internet, e depois mergulhar em cinco jornais mexicanos – La Jornada, El Universal, Milênio,
El País, da Espanha, mas em edição mexicana, e El Sol del México, acrescentando no final de semana, Reforma e Excelsior). Por isto, dormia muito cedo: 21h00, no máximo 22h00.
* SEGUNDO DIA:
.Visita, com guia, ao Palácio Nacional, onde estão magníficos painéis de Diego Rivera. Todo guia é meio fofoqueiro. O nosso contava histórias (estórias?) de Diego com Frida. Diz que, quando ele namorou Cristina, a irmã de Fridita, esta ficou muito brava. A briga teria motivado o gordo muralista a se vingar pintando, nos murais do Palácio Nacional, Cristina, muito bela, e Frida como uma “prostituta” (ver foto no blog Almanakito). A presença de Marx, Lênin, Trotski, entre outros, nos imensos murais deu origem a comentário muito estranho do guia: para ele, “Diego não era comunista, pois quando foi pintar, nos EUA, um imenso mural para Rockfeller, cobrou muito dinheiro e… bebia Coca-Cola”. Heim??? Ele queria que Diego desse o Mural de graça ao bilionário estadunidense???? (Aliás, o Mural foi destruído, pois nele Diego
pintou a imagem de Lênin). A visita nos tomou prazerosamente toda a manhã.
. À tarde, fomos para o Museu de Antropologia, por indicação do guia. Ele nos mostrou a principal parte do imenso Museu (a dedicada aos Aztecas, onde está a Pedra do Sol – ou calendário azteca). Nos recomendou que almoçássemos no próprio Museu e, ao longo da tarde, visitaríamos todas as outras salas do imenso complexo. Foi o que fizemos. Mas recomendamos a quem for ao Museu de Antropologia, que dedique a ele um dia inteiro, pois seu acervo pré-colombiano é arrebatador. E a Livraria do Museu é excelente. O guia chegou a nos indicar mais uma maravilha no imenso e arborizadíssimo parque que abriga o Museu: um Palácio que guarda acervo do México do imperador Maximiliano e dos presidentes republicanos que se seguiram à derrocada do “nobre” invasor. Não deu tempo. Na saída do Museu, tiramos fotos na instalação “Asas do Desejo” (nome dado por nós, por causa do filme do Wenders). Ela (composta de duas asas nas quais encaixamos nosso corpo) é tão concorrida, que chega a haver fila. Só perde para as duas mais disputadas (pela turma dos selfies) relíquias do Museu de Antropologia: a Pedra do Sol (o pessoal, creio, pensa que é o famoso calendário Maia, mas não, é um calendário Azteca) e um imenso “cocar” também azteca (o Manto Tupinambá brasileiro é mais impactante). Filas grandes, nos dois casos.
. TERCEIRO DIA:
. Visita ao Palácio de Belas Artes, que já víramos por fora (seus jardins ficam lotados pela população e pelos turistas). Eu sonhava conhecê-lo por causa do velório de Frida Kahlo (interpretada magistralmente por Ofélia Medina em “Frida, Natureza Viva”, de Paul Leduc, filme que venceu o Festival de Havana, em 1985). ***Um parêntese para falar deste filmeque vi, pela primeira vez, em 16 mm, na Jornada da Bahia, ao lado de Leduc, de Cosme Alves Netto e de Guido Araújo. Numa salinha do Hotel da Bahia-Varig. Três meses depois, o vi, no Festival de Havana-1985, já ampliado para 35 mm. Em 1986, houve um terrível terremoto no México. Pedimos à Embaixada do México que arrumasse uma cópia do filme e fizemos uma sessão beneficente no niemárico Cine Brasília. O tempo passou e o filme nunca foi lançado no Brasil. Só voltei a vê-lo, uns sete ou oito anos atrás, no Festival do Memorial da América Latina (cópia muito ruim). E o revi na TV Brasil, uns três anos atrás (cópia também desbotada).Fecho parêntese e registro que a única dor que trouxe do México foi não encontrar, em nenhuma livraria, um DVD da “Frida” de Ofélia e Leduc (parece que existe um imbroglio jurídico que impede a ampla difusão do filme como ele merece).
Volto, pois, ao Palácio de Belas Artes, que, ainda nos próximos meses, sedia a magnífica exposição “Pinta la Revolución – 1910-1950”. O Palácio expõe, em um de seus três andares, painéis (não são murais pois, embora imensos, são móveis) de Rivera, Siqueiros, Orozco, Camarena, Tamayo, entre outros). Todos muito impactantes. A exposição, que já passou pelos EUA e foi eleita lá “a melhor do ano (passado, 2016)”, merece um dia inteiro, pois conta com trechos de filmes, imensos painéis explicativos e… em suporte audiovisual, dois “Corridos” (espécie de cordel, com pinturas e legendas) que Rivera realizou nas paredes da Secretaria de Educação Pública ( o dos Camponeses e o dos Proletários). Assistimos à projeção dos “Corridos” e enfiamos na cabeça que tínhamos que visitar a tal Secretaria (uma repartição pública) para ver os murais de Rivera. Será que dava? Quando saímos do Palácio de Belas Artes e de sua maravilhosa e imensa livraria, já era tarde. Almoçamos e fomos procurar a Secretaria de Educação Pública. Quando a encontramos, percebemos que havia esquema de segurança e
um ar muito calmo. Sem turistas. Explicamos que éramos brasileiros e queríamos visitar os murais encomendados pelo secretário (do presidente Obregón, creio) José Vasconcelos, o Gustavo Capanema do México (que terminou a vida como religioso jesuíta e simpatizante de ideias muito reacionárias!). Os guardas foram simpaticíssimos. Só pediram que passássemos nossas bolsas e sacolas pelo detector de metais. E que seguíssemos em frente. Foi uma visita maravilhosa, calmíssima. Só havia um casal francês, que tivera a (nossa) mesma ideia. Os andares cobertos de Murais de Rivera (pintados entre 1923-1928) estavam ao nosso inteiro dispor. E os dois “Corridos”, que ficam no último andar, também. Saímos, exaustos e felizes, destarepartição pública única (os funcionários trabalham cotidianamente neste majestoso cenário). E os guardas e funcionários ficaram felizes com nosso contentamento. (Neste dia, dormi antes das nove, de tão cansada).
. QUARTO DIA:
De manhã, fomos à Casa Azul, de Frida Kahlo (e Diego Rivera). Como não compramos ingressos pela internet, enfrentamos fila de umas 200 pessoas. A Casa Azul é linda, imensa, com enormes jardins internos e até uma “mini-pirâmide”. E uma irresistível loja de souvenirs. A Fridomania só faz crescer (feministas do mundo inteiro se encantam cada vez mais com sua trágica vida-trajetória).
Quem ler o livro“Viva!”, do francês Patrick Deville (sucesso da Editora 34, que mereceu magnífica coluna deSérgio Augusto, no Estadão, fevereiro 2017) ficará intrigado com trecho no qual ele, Deville, diz que Rivera emparedou os corpetes e botas ortopédicas, as muletas, os remédios -– o analgésico Demerol, derivado do ópio, que Frida tomava para suportar dores terríveis na coluna e bacia avariados por graves acidentes e 42 cirurgias) –- num banheiro da Casa Azul. Rivera, que morreu três anos depois de Fridita (ela em 1954, aos 47 anos, e ele em 1957, aos 71), emparedou o material, pois queria que ele só viesse a público 15 anos depois. Hoje, corpetes pintados com foice e martelo, botas, vestidos típicos e largos, que ela usava para encobrir as imperfeições do corpo, estão todos expostos nos imensos cômodos da bela Casa Azul. Numa pequena varanda, assistimos a um bom documentário sobre Frida e seu amado Diego. Num dos quartos, o nome deMaria Félix, a poderosa atriz dos melodramas da Pelmex, está pintado com letras elegantes. Era o espaço que ela ocupava quando visitava os amigos. Se for verdade o que conta Deville, que mergulhou em cartas e dezenas de documentos para escrever seu “romance sem ficção”, Rivera foi amante (namorado é bem melhor e menos moralista) de Cristina, a irmã de Frida, de Maria Félix e de muitas outras, incluindo Paulette Godard,a atriz que foi mulher de Charles Chaplin. Frida morria de ciúmes, mas ela também tinha muitos namorados e namoradas. Os dois pintores – há que se lembrar – viveram tempos de muita liberdade, de muitas experiências (longe da caretice que nos ameaça outra vez)… Um dos postais vendidos na Casa Azul mostra Frida, em 1954, ano de sua morte, fumando um cigarro de marijuana.
Depois da visita à Casa Azul, fizemos nosso único banquete mexicano. Fomos a um conjunto de cinco restaurantes, em Coyoacán, o bairro da Casa Azul, frequentado por turistas. Escolhemos um que
se definia como a melhor mezcaleria da cidade (as bebidas típicas do México, se entendi bem – esta não é minha praia! – são o pulque, o mezcal e a tequila). Zanin provou o mezcal e adorou. Veio acompanhado com um “sal” vermelho deles, alternando o “beber” com gomos de laranja caprichosamente cortados. Depois bebeu cerveja (único lugar em que veio um copo junto, pois lá se bebe cerveja no “bico”). Eu bebi, desde o avião da AeroMéxico (na ida e na volta, e no aeroporto), até meu último instante, suco de tomate. Que eu amo e que não bebia há séculos (sigo bebendo em São Paulo e Santos, viciei-me). Comemos um ceviche maravilhoso, igual aos do Peru (aqueles assinados pelo Gaston Acúrio na La Mar), um peixe maravilhoso e um prato estranhíssimo (Zanin gosta de se aventurar, mas eu não, como sempre o já conhecido): um queijo recheado com ervas e não sei mais o quê e complementado com frijoles (feijão) em volta. Os mexicanos não dão muita bola para arroz, mas são loucos por frijoles (que começam a comer de manhã, junto com huevos revueltos).Ficavam pasmos quando implorávamos por ovos mexidos “sem frijoles”. E oferecem – não é folclore – “chili” (pimenta) no café da manhã (isto em Guadalajara, pois a Cidade do México é bem mais cosmopolita e por isto oferece opções mais, digamos, “genéricas”). Em Guadalajara, a moça que nos servia o café da manhã disse que estávamos “parecendo os espanhóis”, que achavam o cardápio muito pesado para começar o dia. Os preços de refeições no México estão ótimos. Só na mezcaleria de Cayoácan o preço foi alto (mesmo assim, menor que os dos metidos restaurantes paulistanos). Os jornais mexicanos custam menos de dois reais (três nos domingos. Aqui, um diário custa 4 reais durante a semana e seis/sete aos domingos!!!). E há bancas por todos os lados (no Brasil a coisa está cada dia pior. Até em São Paulo, achar banca de jornal fora da Paulista é um sacrifício!!)
Findo o maravilhoso almoço no restaurante-mezcaleria, fomos à Casa-Museu Trotsky, que fica a algumas quadras da Casa Azul. O
Casal Diego & Frida foi responsável pelo pedido ao presidente Lázaro Cárdenas no sentido de que desse asilo político ao bolchevique que criou o Exército Vermelho. Nesta casa, Trostsky foi assassinado por Ramon Mercader (vide “O Assassinato de Trotski”, de Joseph Losey, com Burton, Delon e Romy Schneider). O Museu é interessante e nos envolve com sua espartana simplicidade. Não estava cheio de visitantes como o de Frida Kahlo, mas havia um bom público. Regressamos (de metrô) ao hotel, em frente ao Palácio Nacional, exaustos. ****E eu me tomei de amores pela estação final de uma das muitas linhas do imenso metrô mexicano, de nome Índios Verdes. Achei este nome muito estranho e muito poético.
. QUINTO DIA:
Fomos, com guia e um grupo de 12 pessoas (colombianos, peruanos, argentinos e brasileiros – três mineiros de Belo Horizonte) conhecer as pirâmides de Teotihuacán. Antes, no caminho, conheceríamos o Complexo de Templos
de Nossa Senhora de Guadalupe, o único nome feminino, no México, a rivalizar com o de Frida Kahlo. Comonão sou religiosa, tinha interesse mediano no passeio. Mas tivemos um guia, Eduardo, um senhor de 70 anos, traços indígenas, muito calmo, educado e preparado. Muito culto e apaixonado por seu país. *****Antes de sairmos da cidade da Cidade do México (Teotihuacán dista 50 km), Eduardo nos levou para conhecer a Plaza de Tlatelolco, que eu sonhava conhecer desde que vira o filme “Rojo Amanecer”, de Jorge Fons (o mesmo do belo “O Beco dos Milagres”, que projetou Salma Hayek pelo mundo). Tal Praça foi cenário de massacre de estudantes, em 1968, vésperas das Olimpíadas sediadas pelo México. A escritora Elena Poniakowka dedicou ao ocorrido um livro famoso: “Noite de Tlatelolco” (que compramos). Na minha imaginação, a praça era enorme. Mas Eduardo me explicou que não. Que os manifestantes foram abatidos por forças do Exército (assessoradas pela CIA, garantem muitas fontes sérias que consultei) postados em andares de edifícios que cercam o logradouro. Uma página sangrenta da história mexicana. ***Aí, quando a Cidade do México chegava um de seus limites geográficos, Eduardo nos mostrou os INDIOS VERDES. Uma estátua com dois índios pintados de verde. O trânsito pesado nos impediu de parar para fotografar aqueles “índios… verdes”. E chegamos ao Complexo de Nossa Senhora de Guadalupe. Antes de visitar as igrejas, fomos levados a um centro de compras. Terços (rosários), imagens da santa de todos os tipos, preços e formatos, peças artesanais, cinzeiros… e esculturas de Cantinflas e …de Chávez, Chapolim, Chiquinha e turma. Uma senhora peruana (do nosso grupo) trazia um buquê de flores numa imensa caixa para ofertar à Virgem de Guadalupe. O complexo religioso compõe-se com um templo antiquíssimo (e maravilhoso), outros dois templos, um pátio imenso e uma igreja moderníssima, gigantesca (onde são oficiadas imensas cerimônias católicas). Não conheçoAparecida (do Norte), só vi fotos e filmes. Mas o Complexo da Guadalupe deve ser duas ou três vezes maior. E atrai gente do mundo inteiro, que leva imensas oferendas (carrinhos enfeitados com complexos arranjos de flores, serragens, imagens…). No tempo que passamos lá, havia grupos folclórico-religiosos (com roupas muito espalhafatosas) vindos do interior, e grupos da Argentina e outros países hispano-americanos. Todos com seus carros-oferendas…
. Finda a visita guadalupeana, fomos almoçar num restaurante típico, na entrada de Teotihuácan. Comida gostosa e variada, preços camaradas. E os melhores tacos que comi no México (em especial o de cogumelos e o de ricota com ervas). E antes de chegarmos às ruínas e às pirâmides, ainda houve mais um “passeio de compras” (as agências entendem que “viajar é consumir”). Mas valeu, pois a moça (a hostess) da casa deu um show ao apregoar os produtos lá gerados: joias de pedras semi-preciosas, as mil e uma utilidades do agave (ou maguey), fonte do pulque-mezacl-tequila (entendi assim!!!) – na
hora fiquei louca para rever “Que Viva México!”, do Eisenstein, que tem um imenso maguey como elemento essencial da narrativa – e a origem do rico acervo de “recuerdos” da casa. Todo mundo provou as bebidas ofertadas por ela (menos eu, que fiquei fotografando o animado grupo). Todos nos apaixonamos por um Globo Terrestre lá colocado à venda (mas o preço daria para comprar um carro!!!). Me contentei com a foto. ***Finalmente chegamos às ruínas e pirâmides de Teotihuacán. Para resumir:
um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Que patrimônio! Ali, naqueles espaços maravilhosos (e na subida da Pirâmide do Sol – não subimos na da Lua) me arrependi amargamente de não ter incluído a Guatemala no passeio. E vi, em Teotihuacán, o maior agave (maguey)… Igualzinho (risos) ao do filme do Eisenstein (que revi tão logo cheguei ao Brasil). *** Ah, me arrependi de não ter ido, em Guadalajara, aoPasseio da Tequila (das plantações à bebida). Como sou abstêmia (e chata neste assunto) recusei a oferta do hotel onde nos hospedamos com tanta convicção, que Zanin ficou sem graça e o rapaz ficou até sem ânimo para insistir. Regressamos de Teotihuacán com muitos souvernirs e alegria imensa. O grupo inteiro amou o passeio.
. SEXTO DIA:
. Regressamos a Coyoacán para visitar a monumental Cineteca Nacional, um complexo de espaços de preservação, salões de exposição, pátios e jardins, restaurante, lanchonetes e dez (10!!) salas de exibição (se somarmos as nossas cinematecas – a Brasileira-SP, com duas salas, a do MAM-Rio, com uma, a gaúcha Capitólio e a paranaense, com uma cada — somaremos cinco, metade do México). Para ajudar a manter este espaço, que me deixou com uma inveja imensa, existe um edifício-garagem que atende aos usuários (e creio que a todos os interessados). A grana auferida volta ao tesouro e é investida na Cineteca. Nunca fui de depreciar o Brasil, país que eu amo, apesar de seus imensos e graves problemas. Só
o comparo com países com os quais acho que deve ser comparado (Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru, Equador e México, por exemplo). Não fico lamuriando quando vou à Europa. Faço a comparação aqui naAmérica Latina. Olhe, comparar o Brasil com três destes países (México, Argentina e Uruguai) nos aspectos educação-leitura-e-cultura-turismo é desesperador. *** Para conhecer uma das salas da Cineteca, escolhemos um filme (mexicano, claro!):
Caixa Vazia, de uma realizadora (ainda não aprendi
o nome dela). Com ingredientes auto-biográficos, o longa-metragem nos agradou. E a sala de exibição se mostrou top. Maravilhosa. Almoçamos na Cineteca e pegamos um taxi para a Casa Buñuel. Ela fica numa ruazinha sem saída (Cerrada da Félix Cueva, 27) e muito arborizada. Pertence ao Governo Espanhol e estava fechada. Mas li num jornal mexicano que sediará, doravante, também a Academia Mexicana de Cinema, que distribui anualmente o Prêmio Ariel. E que será reaberta com novo fôlego. Tomara, pois o bruxo andaluz viveu e trabalhou por 30 anos na capital mexicana. Onde fez mais de uma dezenas de filmes, incluindo os imensos Los Olvidados, O Anjo Exterminador, Nazarin e El (O Alucinado).
** Um parêntse: Zanin pegou, para mim, na internet, uma lista dos melhores filmes mexicanos de todos os tempos, levantada por uma revista, em 1994, véspera do Centenário do Cinema. Luis Buñuel ocupa muitas posições (o segundo filme mais votado foi Los Olvidados). O primeiro: Vamonos com Pancho Villa (de Fernando Fuentes), diretor que ocupa o terceiro lugar com “El Compadre Mendoza”). Outro votadíssimo éEmilio “Indio” Fernandes, o rei dos melodramas nativistas da Pelmex. Paul Leduc teve Reed, México Insurgente bem colocado na lista.
Já “Frida, Naturaleza Viva” ficou em quinquagésimo (hoje, tenho certeza, será bem mais valorizado). Há um filme de Cantinflas entre os 100: “Ahí Está el Detalle” (pxb, 1940, de Juan Bustillo Oro). Vou procurar uma lista mais recente que, claro, deve trazer “Amores Perros”, “E Tu Mamán También”, “O Labirinto do Fauno”, etc.
. SETIMO DIA:
Nosso último dia no país (quatro em Guadalajara e sete em Ciudad de México). Nosso embarque para o Brasil seria às 23h45. Havia ainda tanto a conhecer. Fomos ver e fotografar a Casa de Azulejos, que é um espanto de beleza. E que fica próxima ao Palácio de Belas Artes. Antes de nos concentramos no Templo Mayor (com seu moderníssimo Museu), ao lado da Catedral, fizemos um passeio-caminhada pelos imensos jardins da região (era domingo e muitas avenidas estavam fechadas para o lazer dos pedestres), compramos livros em várias livrarias (a mais famosa parece ser a Ghandi) e, claro, um CD (opção minha) com canções revolucionárias mexicanas. Como é que eu poderia regressar ao Brasil sem “Adelita”?(O ultra-católico José Vasconcelos, o outrora poderoso secretário da Educação Pública, que encomendou murais a Rivera, dizia — quando virou religioso jesuíta — que a simbólica soldadera “Adelita” era “uma prostituta” e não devia ser cultivada pelos mexicanos. Problema dele!!!). ****Como o Templo Mayor ficava encostado ao nosso hotel e pouco sabíamos dele, a surpresa de nossa visita foi total. As ruínas são impressionantes e imensas. E o Museu (quase tão arrebatador quanto o de Antropologia) é dos mais modernos. Suas oito salas nos levam a imensa subida até as salas 4 e 5
e a seguir a uma descida. Há tantas e tão comoventes peças pre-colombianas para ver, que quando a visita termina, a gente se julga pequeno e orgulhoso pelo milenar acervo que os mexicanos têm para nos oferecer. ***Finda a visita, fomos curtir nosso último almoço (quase jantar, de tão tarde) mexicano num restaurante simples, mas muito simpático, na Av. Madero (gente, esta avenida virou, para nós, um mix de Paulista com Augusta): uma agitação cultural permanente (foi lá que tiramos foto com aqueles personagens de rua, vestidos de Pancho Villa, soldado, com armas e locomotiva). Claro que refuguei convicta os super-herois norte-americanos que infestam a avenida e atraem as crianças. Por que num país culturalmente tão rico eu vou ficar atrás de super heroi de quadrinho hollywoodiano?????
*****Do almoço fomos direto ao Palácio Nacional, onde o professor Alejandro Giménez
Leon faria conferência sobre “A Cidade do México Durante a Época de Ouro do Cinema Mexicano”.Entendemos que seria maravilhoso encerrar nossa feliz estada no México dentro do magnífico Palácio Nacional ouvindo um especialista falar sobre o cinema mexicano dos anos de ouro (décadas de 1930 à de 1950). E foi. Nos apresentamos ao professor, tirei várias fotos dele, e ouvimos seu apaixonante, culto e bem-humorado falar. Aprendemos muito.
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Destaco aqui alguns breves flashes-apontamentos da fala dele:
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1. O primeiro filme da era de ouro, que ele datou entre 1939-1959, foi “Alla en el Rancho Grande”
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2. A primeira trilogia cinematográfica do México compôs-se com “Ustedes los Ricos”, “Nosostros los Pobres” e “Pepe el Toro” (posso estar escrevendo os nomes errados, pois anotei na correria!!). Cantinflas tem uma espécie de “trilogia involuntária”, já que o mesmo personagem (um patrulheiro) volta para protagonizar os filmes (fico devendo os nomes: vou perguntar ao professor)…
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3. Em “Salón Rojo” (1948), o Zócolo, o coração da cidade do México, aparece com seus belos canteiros de flores, seus formidáveis jardins. Já num filme de Cantinflas, feito seis anos depois, não há mais jardim (a praça, hoje, é de cimento e rua de tráfego, mas segue monumental e ponto de concentrações sociais e políticas).
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4. Roberto “estoy de vacaciones” Cobo (1930-2002)– O intérprete do jovem Jaibo, em Los Olvidados”(Buñuel, 1950), encontrava-se no Edifício Nuevo León (o prof. Giménez, da Unam, me mandou o nome por e-mail), um dos que foram derrubados pelo terremoto de 1986. Quando o reconheceram, durante o resgate, ferido nos escombros, perguntaram o que fazia ali? Ele não pestanejou: “estoy de vacaciones”. Entrevistei Cobo em Gramado, no final dos anos 90 (1997 ou 98). Coube a ele representar o filme “De Noche Vienes, Esmeralda”. Ele subiu ao palco, apoiado numa bengala. Prestei atenção naquela figura magérrima e no nome dele. E disse a mim mesma: este é o ator do Buñuel. Fui sozinha atrás dele e encontrei-o, desapontado, no Hotel Toscana, do qual se descortina um belo vale. Ele achava tudo muito bonito, mas aquele não era o Brasil dos seus sonhos. Gay assumido, ele queria um país tropical, com “Carmens Miranda cheias de balangandãs nas ruas” (e fazia um frio de lascar em Gramado). Nem precisei perguntar porque usava bengala. Ele mesmo me contou que fôra vítima do terremoto…
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5. Na capa do disco dos Beatles — Depois de Cantinflas – eu não sabia de nada disto! – o cômico mais famoso do México foi Tint-Tan (Germán Vadez, 1915-1973). “El pachuco Tin-Tan” era tão conhecido no mundo do “spanglish” que o beatle Ringo Star o tinha em alta estima e o convidou a ser uma das personalidades da capa do disco “Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band” (1967). Tin-Tan, protagonista de quase cem comédias (uma das mais famosas: “Mateme Porque Me Muero”, 1951), preferiu ser substituído por uma “árvore da vida”, um dos mais belos símbolos da cultura mexicana. (Soube que há uma estátua de Tin-Tan na Zona Rosa, coração artístico-boêmio da Cidade do México, que só vi de passagem, de dentro da van que nos trouxe de Teotihuacán).
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6. Feitos na Cidade do México – Para resumir, cito alguns dos filmes analisados pelo Professor Giménez em sua bela palestra:
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Salón Rojo, Macário, El Signo de la Muerte, El Revoltoso, Los Caifanes, Suerte Te De Diós, Dias de Otoño, Caballero a la Medida (no qual Cantinflas faz o mais descolado mershandising do cinema: “soy feliz porque me visto Ortiz”– a frase cerzida nas costas de seu paletó), Esquina “Bajan” (foi o que consegui anotar), Distinto Amanecer, Del Can-can al Mambo e o documentário “La Piedra Ausente” (todos os títulos estão aqui escritos segundo minhas apressadas anotações. Por isto muitos podem trazer graves erros!!).
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*****Da palestra, pegamos nossas malas e seguimos para o Aeroporto. E já sonhando com uma nova viagem à Cidade do México-Cuernavaca-e-à Guatemala. E, se houver esta nova vez, iremos à Zona Rosa, ver a estátua de 4 metros de altura de Tin-Tan (de quem quero conhecer ao menos um filme). Mas antes vou assistir à mais cult das comédias de Catinflas: Ahí Está el Detalle.
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E listo abaixo, filmes e livros. Mergulhei de cabeça em Viva!, de Deville, amei o que já li de “O Espelho Enterrado”, de Carlos Fuentes (*), e curti “Ofelia Medina, um Retrato”, de Avelino Sordo Vilchis. Seguem os filmes que vi ou revi-reverei
com Zanin, para prolongar as férias mexicanas:
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1. 2. 3. – Vamonos con Pancho Villa (1936), El Compadre Mendoza (1934) e O Prisioneiro Trece (1933),trilogia de Fernando de Fuentes (presente de Evaldo Mocarzel, edição comemorativa, com ensaio brilhante e ilustrado de John Mraz)
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4. El Desierto, de Jonas Cuáron, com Gael García Bernal, vencedor do Fest Havana 2016
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5. Frida, Naturaleza Viva, de Paul Leduc (1985). Com Ofélia Medina.
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6. Que Viva México! (Sergei Eisenstein, 1931, “finalizado” nos anos 1990)
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7. O Tesouro de Sierra Madre, John Huston (baseado em B. Traven (personagem de Viva!)
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8. “Macário”, Roberto Gavaldón (1960) – um filme de gênero fantástico, baseado no mesmo B. Traven (personagem de Viva!)
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9. À Sombra do Vulcão, de John Huston (baseado em Malcoln Lowry, que divide com Trotsky o quase “protagonismo” de Viva!)
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10. Eisenstein em México – El Círculo Eterno, de Alejandra Islas (1996)
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11. Un Retrato de Diego (Rivera),de Gabriel Figueroa (curta que deu origem ao filme), Gabriel Figueroa Flores (filho de Figueroa) e Diego López (80 minutos, 2007)
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12. La Ley de Herodes (o te chingas o te jodes), de Luis Estrada, com Damián Alcazar e Pedro Armendáriz Jr.
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13. Frida, com Salma Hayek (com a voz de Lila Down e Caetano Veloso). E aparição de Chavela Vargas.
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14. Camelia (Dumas), de Roberto Galvadón, com María Félix e Jorge Mistral
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15. O Assassinato de Trotsky, de Joseph Losey (1972), Com Richard Burton, Alian Delone Romy Schneider
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16. 17. 18 – Três Premiados com o Ariel – Los Cachorros (baseado em Mario Vargas Llosa: La Ciudad y los Perros), El Apando, Las Pochianchis.
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19. O Seresteiro de Acapulco, com Elvis Presley (para vê-lo cantando “Guadalajara” com mariachis)
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20. “No Se Aceptan Devoluciones”, de e com Eugenio Derbet – (melhor ator nos Prêmios Platino 2014) – Sou fã deste comediante. Apesar dos detratores, que são muitos, esta é comédia “mas taquillera” do México, desde a Era de Ouro (quase 16 milhões de espectadores no México, mais cinco milhões nos EUA).
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(*)CARLOSFUENTES:
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Pós-México, Verissimo não permanecerá solitário no meu altar. Não será o único escritor capaz de dar, aos meus olhos, show de síntese e devoção a Nossa Senhora do Contexto. Terá, ao seu lado, Carlos Fuentes. No livro “O Espelho Enterrado – Reflexões Sobre a Espanha e o Novo Mundo”(Rocco, 2001), encontrei o mais espetacular, esclarecedor e sintético resumo da Revolução Mexicana (1910-1919):
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“A Revolução Mexicana, na realidade. Se compôs de duas revoluções. Encabeçaram a primeira os chefes guerrilheiros populares, Pancho Villa no norte, e Emiliano Zapata, no sul; suas metas eram a justiça social baseada no governo local. A segunda revolução foi dirigida pelos profissionais, intelectuais, fazendeiros e comerciantes da classe média emergente: sua perspectiva era a do México moderno, democrático e progressista, mas com governo centralizado e um Estado nacional forte” (página 299).
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Divido com você, para encerrar, parágrafo (de Carlos Fuentes) que tem humor similar ao do nosso Verissimo: “A batalha terminou numa chuva de tripas, sangue e fumaça. O general Obregón perdeu o braço direito no combate; diz-se que de tal ordem eram as pilhas de cadáveres, que ele não podia achar o braço cortado; então, Obregón lançou para o alto uma moeda de ouro e, tal como o esperava, o braço saiu voando para apanhar a peça. Cabe acrescentar, em honra do general, que ele próprio inventou e contou a história”.
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E mais um “rabinho”do
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espetacular texto (e humor) de Fuentes:
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“Foi também Obregón o autor da frase famosa segundo a qual nenhum general mexicano podia resistir a um canhonaço de cinquenta mil pesos” (página 307).
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